CRONICA PUBLICADA A DOIS ANOS PELO JORNAL DE ANGOLA, MAS SEMPRE ACTUAL
Prólogo: Erva daninha atrofia as flores e compromete a qualidade do mel!
A primeira vez que entrou para uma redacção, saiu de lá decepcionado. Eram 16 horas e a porta principal abria e fechava-se constantemente. Um jornalista chegou com o rosto e a roupa cobertos de poeira. Parecia louco! Entrou em passo de corrida, procurou uma máquina, sentou-se, desfolhou um bloco de notas e começou a escrever. Mal havia começado, foi logo interrompido pelo colega do lado. Pela roupa e autoridade de um e pela sujeira e humildade do outro não teve dúvidas: um era chefe e o outro, subordinado.
A decepção surgiu, contudo, quando constatou existir discrepância entre o que lia nas páginas do Jornal e o que ouvira durante a sua curta permanência naquele lugar “caótico”. Pensou então: “Não é possível. Afinal, jornalista pensa como nós!!!” Só mais tarde entendeu: 1º - Um era editor e o outro, repórter. 2º- Repórter não escreve o que pensa, mas narra factos ocorridos.
Assim nasceu a sua paixão pelo jornalismo. Foi amor à primeira vista! Se hoje lhe perguntassem o que era o jornalismo, responderia: “é um pântano; quanto mais nos mexemos, mais nos entranhamos nele. Felizmente, a gente nunca está só!”
A produção da notícia implica um trabalho de equipa, onde se envolvem todos, desde o pauteiro, motoristas, repórteres, fotógrafos, câmaras, paginadores, a arte e revisores, etc.
A cumplicidade entre editores e repórteres permite um planeamento afinado da estratégia de ataque! Um carreto mal engrenado é um problema para o funcionamento da cadeia.
Nessa cadeia salientam-se três etapas cruciais: a pauta, a apuração e a edição. “Tudo o que vem antes não é notícia; tudo o que vem depois não é jornalismo em sentido estrito, pois é gráfica e distribuição”(BASILE, 2002, pág. 95).
Sendo assim, a qualidade da notícia a divulgar começa na capacidade imaginativa e criativa de quem vai elaborar a pauta ou o roteiro que contém uma série de hipóteses (boatos, denúncias, versão de uma notícia, telefonemas de leitores, ouvintes ou telespectadores, etc.), a confirmar ou não pelo repórter. Este deve orientar-se pela preocupação de levantar enfoques diferenciados sobre os temas, buscar ângulos novos de abordagem e mostrar agilidade na identificação de novas tendências. Através de leituras e pesquisas, o órgão de informação pode mesmo antecipar a abordagem de um acontecimento.
A etapa seguinte é a de apuração: é aqui que entra em campo o “garimpeiro da informação”, o repórter. O repórter é o rosto visível dos jornais, rádios e televisões, pois é com ele que o público e as fontes têm contacto. O sonho de todo o jornalista é ser repórter, pois é esta a ocupação mais “prestigiante” nos meios de comunicação. (Dizem que quem chega a editor está perto da idade de reforma). Os repórteres, contrariamente aos editores, fazem sucesso junto da audiência e têm uma cadeia de fãs e um bloquinho com contactos telefónicos de fontes, desde a kínguila a ministros, generais eminentes, empresários, artistas famosos! Fazem inveja a qualquer um!
Como soldado de um exército em derradeira ofensiva, eles envolvem-se na batalha pela notícia. Deles depende, em grande parte, o sucesso ou insucesso de uma edição. Por isso, é compreensível que todo o editor queira reunir em seu torno os melhores repórteres que a redacção possui. Mas isso é um sonho, difícil de concretizar, sobretudo em África, onde a imprensa ainda não é normalmente um negócio rentável. Raríssimos são os empresários que investem no ramo da comunicação. Como consequência, as dificuldades acumulam-se nas redacções do continente: os salários não são atractivos, há falta de estímulos, de transporte, de computadores e de escolas conceituadas de jornalismo, para além do preço elevado do papel, da impressão e das ligações telefónicas, acesso difícil ao crédito bancário e às fontes. Tudo isto afugenta os melhores profissionais, que buscam áreas circunvizinhas do jornalismo, como a assessoria de imprensa, ou então optam pela diáspora.
A tendência do jornalismo, herdada do séc. XX, é a especialização, sobretudo, com a crescente segmentação da informação. Aliás, quem está habituado a ler jornais em Angola da primeira à última página, entraria em pânico quando comprasse o Washington Post ou O Globo, cada um deles com mais de 70 páginas, com matérias atractivas e devidamente estruturadas.
Os consumidores de informação lêem, ouvem e vêem aquilo que lhes interessa. Quem gosta de desporto vai primeiro canalizar a sua atenção para esse espaço e só depois procura dar uma espreitadela em outras áreas.
Por isso, é imperioso o aprofundamento no tratamento das notícias a divulgar em cada editoria que compõe a redacção, para atender a essa crescente segmentação. A vinculação do repórter a uma editoria é caminho aberto para a especialização. A especialização é definida como o resultado da divisão de trabalho. “Trata-se do conhecimento específico de determinado indivíduo sobre determinada área. No Jornalismo, para que se consiga precisão e aprofundamento, a especialização é requisito importante. Contudo, é preciso estar atento, pois, em princípio, o texto jornalístico não deve distanciar-se do leitor, mas, ao contrário, deve ser claro o suficiente para ser entendido pelo leigo, e profundo o bastante para ser útil ao especialista” (Manual escolar de redacção, 1994, 69).
É claro que todo o jornalista tem a obrigação de saber redigir um texto, anunciando o vencedor de uma partida de voleibol, mesmo sem saber as regras do jogo. Mas não se escreve sobre buracos na estrada do mesmo jeito que se redige uma informação sobre macroeconomia, por exemplo.
O repórter de que os editores gostam é inteligente, curioso, comunicativo e corajoso. Na posse da pauta, ele procura munir-se do máximo de informação sobre o assunto a abordar. Caso tenha ainda algum tempo, fala com o editor e com colegas de outras áreas, testa o equipamento(gravador etc). A Internet é um instrumento importante para pesquisa. Só depois vai atrás da confirmação das hipóteses levantadas. Mas não se detém apenas na pauta. Busca por iniciativa própria outras abordagens interessantes que tenham surgido ao longo da apuração.
Tem faro para a notícia e descobre o gancho noticioso em factos ou discursos aparentemente banais. É obcecado pela verdade e por isso, duvida de tudo e de todos e sabe questionar! Quando sai à rua, o editor está descansado, pois “vem sempre coisa boa”. Mesmo numa conferência de imprensa, ele consegue ter um ângulo diferente e com valor mais noticioso. Tem porte físico e saúde para as correrias e embates. É incansável! Não fica todo o tempo a choramingar: “Não consegui, porque o ministro não quis falar...”
Entretanto, o bom profissional diz: “ O ministro X não falou, mas falei com Y e a notícia está aqui”. É gente que faz. Aquele tem lágrimas, este tem alternativas. Não tem medo de perguntar. Está sempre atento e raramente é desmentido. Está no lugar certo, na hora certa. Lê jornais, livros e revistas, ouve emissões das rádios e vê a programação de estações de televisão. Está informado e o seu bom nível de cultura geral não o deixa cair. Álcool em horário de trabalho, nem pensar!
Age com serenidade e tem tacto no relacionamento com a fonte. Sabe escrever bem e não mistura texto informativo com opinião, um erro frequente na imprensa angolana.
Escreve com simplicidade e clareza. Não escreve “O gigante adormecido anda paralisado...”! Não “afina”, o que entende aliás como ofensa, sobretudo num país com mais de 70% da população analfabeta. Redige tudo sobre o que viu e ouviu, sem medo de não agradar o editor. Sabe pegar o ângulo mais importante do facto e apresenta mesmo ao editor sugestão de pauta para novas abordagens.
O repórter com espírito de equipa cria, durante a reportagem, bom ambiente de trabalho. Incentiva fotógrafos e câmaras a procurar boas imagens e melhores ângulos. Investe em equipamento e na sua formação (línguas, informática, etc). Não vê isso como desperdício, mas como investimento. Que editor não adoraria ter um repórter assim?
Os tempos estão maus, mas como diz Luiz António Mello, autor do Livro Sobrevivência na Selva do Jornalismo, “Sonhar é um direito assegurado pela Constituição”(MELLO, 1998, 48).
Por isso, se ainda não tem, sonhe em comprar um telemóvel, um computador pessoal, ainda que usado, e compre um carro, um Toyota Starlet já dá jeito! Uma máquina fotográfica, digital seria ideal. Mande elaborar cartões de visita, pois são de grande utilidade. Se não tem carta de condução, matricule-se já. Com todos estes meios, o repórter estará mais tranquilo, pois é facilmente localizado e pode pontualmente estar em qualquer lugar, quando chamado de urgência.
É na cumplicidade entre editores e repórteres que repousa, em parte, a longevidade e o prestígio de muitos órgãos de comunicação! Não esqueça de actualizar o passaporte e boa viagem!
Estou a vir, ainda!
* Augusto Alfredo, Licenciado em Comunicação Social, é Editor de Economia do “Jornal de Angola”, E-mail: augustoalfredo@hotmail.com
Bibliografia:
1- BASILE, Sidnei. Elementos de Jornalismo Económico. RJ. Campus, 2002.
2-MELLO, Luiz António. Manual de Sobrevivência na Selva de Jornalismo. 2ª Edição. Niterói, RJ: Casa Jorge Editorial, 1996.
3- Manual escolar de redacção da Folha de S.Paulo. S.Paulo: Ática,1994.
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