LUBANGO 1996. O dicionário que uso, define mestre como um especialista numa ciência ou arte ou ainda, no sentido geral, vulgar, aquele que ensina. Tive dois grandes mestres: para a arte do bem falar locução, um jovem no longínquo ano de 1995 de nome Joaquim Armando. Com cultura geral acima da média, ele sempre me pareceu intrépido. Tinha outro mestre, na área de redacção. Chama se Rebelo Veiga, um jornalista de missão, mas bancário hoje, acredito, por opção. O bicho da rádio vai voltar a incomodar, tenho fé.
Mas o Armando, o tal jovem intrépido, marcou-me profundamente pois aos 16 anos, eu nunca podia imaginar que um julgamento pudesse ser tão mediático naqueles dias. Tempos duros, guerra em acção e a imprensa a fazer fé nos discursos da época.
Numa dessas manhas frias de cacimbo rigoroso da Serra da Chela, com o carro móvel denominado azulão, o Armando cruzou mais uma vez a cidade de lés a lés testemunhando mais um nascer do dia, as obras, a agenda dos que mandam, os acontecimentos, os preços e claro a vida nocturna em clara referencia ao dia anterior. Era segunda feira, na noite de domingo num dos pubs mais populares da altura, um sonorizador da Rádio Huíla tinha sido detido. A acusação era simples: Estando na mesma diversão que o general governador, terá barrado a passagem do todo poderoso. A guarda, qual pretoriana, intercepta o camarada; O técnico de som é detido. Assim mesmo, sem apelo nem agravo…
A arbitrariedade é denunciada para todos os cantos pelo meu primeiro mestre. Ele estava na festa, mas impotente, perante as armas da arrogância da guarda pretoriana, usa apenas os microfones como a arma da denuncia. Dai, foi um passo para ser intimado pelo crime de difamação contra o dito cujo. Atentado contra a figura e por ai… . A tragicomédia estava lançada. O jornalista é chamado á depor e vai a julgamento.
Como jovem estagiário nunca poderia perder aquele momento. Se não estou em duvida foi um dos primeiros julgamentos de um “escriba” em Angola em tempos de democracia.
Na sessão fiquei com a impressão que o juiz queria trucidar o jornalista. Perguntas matreiras, mas respostas precisas. Um espectáculo que durou duas eternas horas. No fim absolvição, por falta de provas.
Mas o réu foi condenado a uma ligeira multa.
Entendi, depois, que era uma forma do poder judicial não abafar o poder do general governador.
Mas o meu mestre, mantinha um ar quase inabalado depois do espectáculo. Levou um colete azul do labor diário, trocou-o por um paletó cor de vinho a entrada do tribunal, trazido pela namorada. Depois da vitoria, a comemoração. Mas senti que o aviso estava lançado aos demais escribas contra supostas ousadias.
O poder também sentia que qualquer “ queixa” não significa prisão para o réu. Os tempos mudaram. a Velha senhora ficou com a morte do poder popular.
Nunca tive a oportunidade, vontade mesmo, de lhe perguntar o que sentiu na hora dos apertos do juiz. Espero faze-lo e recordar os meus velhos tempos de caloiro nas lides radiofónicas na Rádio Huíla - RNA onde a ousadia era punida severamente.....
3 comentários:
O Manuel mais uma vez me surpreende pela positiva com uma soberba reflexao.
Nao que queira monopolizar o recanto das opinoes, mas, um artigo tao bem escrito como esse, ninguem escapa em estender-lhe a mao pra um candando.
Nguzo, Manel. Tou contigo.
Soberano Canhanga
È oportudo denunciar, agora, as makas do passado. Os atropelos do passado precisam de ser estudados para que no futuro nao se repitam.
lUIS
O interior tem a fama de que ai tudo chega tarde. O mesmo acontece com o complexo processo que designamos democracia, vem dai a justificacao a meu ver do desejo de quem tem o poder nas maos para driblar tudo e todos. Este meu parecer serve para dar uma chega ao julgamento de quem recebe a denominacao de primeiro mestre. O general governador, aproveitou-se do poder dos seus punhos para impor-se perante o falivel poder judicial da nossa terra, ainda que o juiz duvide das razoes do mobil do crime....isto aconteceu em pleno florescer da democracia no nosso burgo. Os tecnocratas deviam aparecer, por que se nao!....
Moises Sachipangue
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