A invasão silenciosa dos Gambos
O padre Jacinto Pio Wakussanga, uma voz activa na defesa dos criadores tradicionais de gado no sul do país, denunciou uma voraz invasão silenciosa das terras mais rentáveis do município dos Gambos, na província da Huíla. A localidade está localizada a cerca de 180 kms a sul do Lubango, rica em gado bovino, principalmente numa zona conhecida por Vale do Tchimbolelo.
A invasão, no entender do sacerdote, teve inicio dos finais dos anos noventa, mas o ponto mais alto registou-se por voltado ano 2000 quando a igreja católica e a associação local “ Leonardo Shikufinde Shalom Angola” ALSSA ( entretanto desmantelada, supostamente por pressões externas) denunciaram publicamente restrições no processo de transumância do gado bovino, ocupação de zonas de abeberamento e outras zonas tidas como sagradas pelos “ Mungabwes”, povo nativo da região huilana dos Gambos.
De regresso ao país depois de um mestrado em Resolução de Conflitos e Estudos de Paz na universidade de Bradford norte de Inglaterra, Pio Wakussanga, referiu que membros do governo central, oficiais superiores das forças armadas angolanas, empresários bem sucedidos em Luanda criaram uma espécie de frente para a posse de grandes parcelas de terras, especialmente em zonas anteriormente inacessíveis devido a guerra, alimentando assim novas cobiças, observando-se um total ostracismo das populações locais que em nada beneficiam da ocupação da sua terra, nem dos projectos agrícolas gizados pelos “ novos ricos”, não criado, em alguns casos, mais valia no sector agro pecuário da região.
O também activista cívico alerta também para uma espécie de “corrida para os recursos naturais” da região, nomeadamente a terra e o granito negro, sem olhar a meios. Em entrevista a imprensa na Huíla, o padre Jacinto Pio Wakussanga disse que foi uma grande passo para as autoridades a criação da lei de terras para orientar o acesso a este bem, mas lamenta o facto de inacreditavelmente não haver até hoje um regulamento para este importante documento.
O combate a exclusão social através da capacitação das populações locais pode ser um instrumento, segundo a fonte, para conter a tendência cada vez mais forte da ocupação por e simples de grandes parcelas de terras, remetendo as comunidades locais sem qualquer alternativa para a sua sobrevivência. “ Ao invés de ser o António ou o cricano que está em Luanda, que já têm terra. Já tem 80 kms e agora vem ocupar mais noutro sitio, porque é que não que aqueles que já têm vêm ocupar? As causas são mais profundas” questionava-se, algo triste, o conhecido sacerdote que foi anos atrás uma das vozes mais activas na defesa das comunidades rurais do interior da Huíla, que até hoje têm pela frente a concorrência de milionários oriundos de Luanda, estalando-se naquela região semi árida do sudeste da Huíla, a caminho do Cunene.
No entanto, numa palestra proferida em tempos no Lubango , o engenheiro Fernando Pacheco, presidente da Acção de Desenvolvimento Rural e Ambiente ADRA, referia que “tal como noutras regiões a corrida às antigas demarcações por parte de novos empresários foi assinalável, com base no antigo cadastro. As populações pastoris reagiram negativamente a esse movimento porque acham que a instalação de "farmers" dificulta o acesso a determinado ponto de água e de pastagem e as transumâncias em geral.” Segundo ainda o palestrante “um levantamento ordenado pelo governo da Província da Huíla revelou que muitos desses "farmeiros" detinham áreas muito superiores àquelas e que, efectivamente, necessitavam e que estariam mais de acordo com as suas capacidades técnicas, financeiras e de gestão. O reordenadenamento daí resultante permitiu que as comunidades "recuperassem" para o seu uso colectivo mais de 5 mil hectares” disse Pacheco.
Segundo Fernando Pacheco na palestra sobre a “terra e a constituição” e olhando para os conflitos de terras em algumas localidades do país, a questão da Tunda dos Gambos , “ Trata-se de um caso comprovativo de que é possível resolver conflitos de terras de forma negociada. Entretanto, ainda nos Gambos há situações em que o radicalismo é mais acentuado, quer por parte de empresários, quer por parte de populações pastoris”.
Com as declarações do padre Pio é a segunda voz que lamenta a forma como tem sido conduzido o processo de cedência de licenças de terra nos Gambos, depois do administrador municipal Aurélio Cabral ter protestado contra o facto de ser desautorizado permanentemente por gente ida e Luanda. Segundo o administrador dos Gambos pesa o facto de ser um quadro proveniente da UNITA inserido na administração do estado no âmbito do protocolo de Lusaca.
Num tom de profunda tristeza, Aurélio Cabral referiu que gente já autorizada a ter terra a partir de Luanda e do Lubango vai aos Gambos já com os factos consumados, fazendo com que a administração “olha-se apenas” para a situação. O administrador confirmou ainda a invasão de alguns “ novos ricos”, tanto do Lubango como de Luanda, as fronteiras do parque nacional do Bicuar, uma área que pelo menos na teoria deve ser protegida da caça furtiva e mesmo da pratica da agricultura. ( MANUEL VIEIRA)
PUBLICADO NO JORNAL REGIONAL CENTRO- SUL KESONGO
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