Angola, Tundavala
É como voar sem tirar os pés do chão. É uma vertigem e uma emoção. É esmagador, mete medo. É o fim do Mundo. Para se chegar ao abismo da Tundavala, é preciso fazer cerca de 15 quilómetros por estradas de terra batida desde a cidade do Lubango. Acho que não há quem não os faça. Ir ao Lubango e não ir à Tundavala, é pior que ir a Roma e não ver o Papa. Só lá estive uma vez, em 1986. Fui ao Lubango com o Paulo Dentinho. Lá fizemos parte de três episódios da série “Os Que Não Voltaram”, que a RTP exibiu no ano seguinte, se a memória não me falha.
Naquele tempo, viajar em Angola era uma aventura. A guerra retalhou o país e viajava-se como se Angola fosse um arquipélago. Cada cidade, uma ilha. Para ir de ilha em ilha, só de avião ou integrado em colunas militares. Essa viagem foi feita, como já antes expliquei aqui, sob escuta e escolta de diligentes funcionários públicos angolanos.
De modo que, quando fomos levados à Tundavala por um dos portugueses que viviam no Lubango (um dos tais que não voltaram), ele chamou-nos a atenção, disfarçadamente, para o chão. Era um terreno arenoso, de areia clara. Enterrou a biqueira do sapato e, lentamente, trouxe à superfície uma cápsula de bala de kalashnikov.
Durante o resto do tempo que passámos ali, eu e o Paulo dedicámo-nos a desenterrar mais cápsulas, disfarçadamente. Eram muitas. Eram a evidência dos fuzilamentos que se fizeram ali, à beira daquele precipício. Já nos tinham dito que, lá em baixo, no fundo da ravina com mais de mil metros, estavam muitos corpos de vítimas da violência política. Tínhamos duvidado mas, a partir daquele dia, passámos a acreditar.
POR CARLOS NARCISO
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