2005, Abril 16. Disseram-nos laconicamente que o avião está pronto. Agora o que até antes aparecia distante era, já sim, uma realidade palpável. A comitiva é numerosa. Jornalistas de quase todos os orgãos do país ( o que é raro) , enviados de Portugal, EUA e Reino Unido e da distante China.
Pressionados pela opinião publica, o ministério da saúde e o governo no geral, foram obrigados a dar-nos a ver o outro Uige, até então fustigado por um virus mortal, altamente contagioso a que se deu o nome de Marburg. Marburg porque era uma recordação ( mesmo medonha) ao aparecimento de um virus semelhante na cidade Alemanha de Marburg!!! Na altura profundamente mortal, ceifando mais de 60 cientistas.
O boato, sobre o margurg angolano, corria solto em Luanda e no resto do país. Contas feitas a letal febre hemorragica matava rapido demais. Pior que o ébola do Congo. Na versão oficial tudo começou em Março, mas no terreno é que tudo se deu no ano anterior, 2004. O macaco verde foi acusado de ser vector da doença. Havia quem negava. As audiências de radio e TV aumentavam. O país acompanhava com o coração condoído e respiração suspensa a marcha da morte. Até ao momento cerca de duzentas pessoas sucumbiram! A pergunta era: Agora que estamos em paz, porque tanto? A mobilização começava. O Uige está fechado por ar e terra! A antiga cidade Carmona ficava isolada. O interesse internacional aumentava.
No aeroporto de Luanda, sem cerimonias, vimos material de bio protecção a ser passado de mão em mão.Luvas, gorros e batas se haver necessidade.Pensei cá comigo, não vá o diabo tece-las. O friozinho na barriga, tão habitual nos reportes de guerra quando vão à frente de combate. Acomodação no gigante dos ares e num ápice Luanda fica... longe. 35 minutos depois aterrava-mos no Uige.
O Antonov Russo faz-se a pista.11 e 20 da manhã. È o primeiro avião a aterrar em duas semanas. Há saudações, mas não contactos, porque assim manda a prudência. O virus, dizia-se nas campanhas poderia ser passado por um abraço, um toque ao cumprimentar uma pessoa infectada.
Uma comitiva foi montada as pressas e de autocarros passavamos pelas estreitas ruas de uma das maiores cidades do norte de Angola. O destino é Songo, um municipio também duramente afectado. Eu aproveito, de telemovel, descrever para Luanda tudo o que vejo. A ecclesia é a primeira a transmitir do Uige a realidade, narrada do local.È, com isso responder às questões do povo e os boatos...
Agora são 40 Kms para encontrar um dos " centros" do Marburg. Cai uma chuva miúda. A marcha é lenta porque a estrada não ajuda.Começa-se a ficar sem rede. Problemas de comunicação no interior é um problema para os escribas. Novo tarbalho para Luanda, jornal central.
Chegados ao local, directos aos hospital. Descemos do autocarro. Aproveito para fala com populares.Dados novos, exclusivos. Esboço sorriso. Depois as autoridades e a ladainha constante da falta de condições. Missão cumprida e o competente regresso ao Uige. São cerc de 3 da tarde. Outro trabalho para Luanda. Tonica central há medo, mas há vida no Uige. Conferencia de imprensa, visita ao Hospital. Aqui acontece o inevitavel quando uma equipa vai ao terreno buscar cadaveres. Noticia aterradora, eram membros da mesma familia.
As escolas funcionam. Nos mercados vendia-se de tudo um pouco, menos carne de macaco. Ora essa! Uma maratona musical abafa ao fundo o grito de obito, à moda africana, dos parentes enlutados. Os cadaveres são enterrados em valas comuns, por tecnicos de saude. As vezes o virus mata todos os membros da mesma familia, contara-me no coração do Marburg.
A fome e a sede apertavam. Vi dois conhecidos escribas angolanos, companheiros de viagem
a seguirem ao mercado, o tal onde tudo se vende. Vendia-se do ovo á bicilheta. decidi segui-los. Entabulamos conversa com uma senhora de idade respeitavel. Com o seu peso avantajado quase fazia sofrer um pequeno banco. Em resposta ao meu companheiro de tarablaho, o mais extrovertido ela foi directa. " Em Luanda estão a falar muito, mas resolvem pouco". De repente deixamos o Marburg para viveres para " aldrabar" o estomâgo e os competentes acompanhantes etílicos. No fim da jornada um banquete e a rumagem rapída ao aeroporto.Já era noite. A pressão era maior porque aquele aeroporto não está habilitado a voos nocturnos.
No avião, concluí - porque a vendedora de ovos cozidos, mesmo parca em palavras, me passou nas entrelinhas esta ideia. O Uige está isolado, mas (ainda) não desesperado por ajuda apesar dos corações extremamente condoídos com a força avassaladora do Marburg. Espero voltar ao Uige, voltar a falar ( muito mais) com a vendedora e claro saborear outros, agora sem o virus mortal...
PS: esta é uma pequena homenagem as vitimas do marburg e a quem lutou para travar a sua propagação rapida.
Mvieira
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