Rodelho André Cambala tinha 31 anos e era natural de Cafunfo. No dia 7 de Janeiro encontrava-se numa das margens do rio Cuango com outros garimpeiros de diamantes. Uma patrulha da empresa de segurança Alfa5 surpreendeu-os e disparou. Rodelho foi atingido na cabeça e morreu. O seu corpo só foi recuperado dois dias depois por pescadores. Tinha sido amarrado a uma pedra e atirado para o fundo do rio.
Este é um dos muitos casos que o jornalista angolano Rafael Marques investigou no distrito do Cuango, na província da Lunda-Norte, e que consta do relatório Operação Kissonde: Os Diamantes da Humilhação e da Miséria, que hoje será apresentado, ao final da tarde, no Instituto para a Democracia e Liberdade - Instituto Amaro da Costa, em Lisboa.
São quase 90 páginas repletas de exemplos que atestam a violação sistemática dos direitos humanos no Cuango, onde a lei e a ordem são impostas pelas sociedades de extracção de diamantes - nas quais o Estado angolano tem uma participação directa através da Endiama - e pelas empresas de segurança que lhes estão associadas. A maioria das quais pertencem a ex-generais das Forças Armadas Angolanas (FAA), como França N'Dalu ou João de Matos, dois antigos chefes do Estado- -Maior-General das FAA. Sem que Luanda interfira.
"O Governo", lê-se nas conclusões do relatório, "é responsável pela transferência da acção de combate ao garimpo para as empresas de segurança sem que, para o efeito, tenha estabelecido os procedimentos de fiscalização e a delimitação legal dos seus actos. Na prática, o Governo privatizou a violência a favor das empresas privadas de segurança."
Em causa está, essencialmente, o comportamento que tem sido evidenciado por três sociedades de extracção de diamantes e três empresas privadas de segurança, que dividem a região do Cuango entre si.
No sector do Cufunfo está a Sociedade Mineira do Cuango, associada à Teleservice. Uma empresa de segurança que, segundo Rafael Marques, detém o monopólio dos serviços de segurança das petrolíferas que actuam em Angola, contando entre os seus clientes com a Sonangol, Total, Chevron-Texaco e Halliburton, às quais se juntam a De Beers e a Sociedade Mineira do Lucapa (Lunda-Sul) no domínio dos diamantes.
Já no Luremo encontram-se a Sociedade Mineira Luminas e a K&P Mineira, enquanto a Sociedade de Desenvolvimento Mineiro (SDM) e a Alfa5 actuam no sector adjacente à capital administrativa do Cuango.
Ainda que Rafael Marques tenha constatado agora uma evolução na actuação da Polícia Nacional face a 2004 (período contemplado no relatório Lundas - As Pedras da Morte, que o jornalista e activista dos direitos humanos elaborou com o jurista Rui Falcão de Campos), o facto é que o Cuango continua entregue às empresas privadas de segurança.
Originando situações dramáticas, em que as populações são impedidas de se dedicar às suas actividades tradicionais (agricultura, pesca ou comércio), criando-se uma realidade que as impede de sobreviver sem que recorram à ilegalidade. Exemplo disso foi o que sucedeu a Francisco Pinto e a Óscar Neves no dia 20 de Abril. Guardas da K&P impediram o primeiro de pescar no rio Lumonhe com o argumento de que o rio e os peixes também faziam parte da concessão da SMC, tendo sido agredido até perder os sentidos. Já o segundo foi agredido à coronhada por seguranças da Teleservice que o apanharam a tomar banho no rio, como sempre fizera. "O rio também tinha sido concessionado."
Publicado no jornal Português Diario de Noticias
Link: Rafael Marques
Nenhum comentário:
Postar um comentário