O soberano primário sentenciou.
Por Luanda e todo o país, palpitam os corações regozijados de uns e ouvem-se as lamúrias de outros, consoante a fortuna da classificação.
O veredicto deu uma maioria tão qualificada ao MPLA que soa a uma recorrência do partido único.
E o seu principal adversário, a UNITA, caiu de cabeça para baixo, tanto que se, se tratasse de uma pessoa física real, nenhum médico recuaria em receitar a pronta consulta prévia de fisioterapia.
Para já, todavia, vénia à sua aceitação antecipada dos resultados, para além das reclamações que lhe cabe manifestar, enquanto sujeito descomplexado de direito! De se estender a mesma apreciação ao aceno, também, antecipado por parte da FNLA.
Esta postura dos opositores históricos indicia o fortalecimento de alguma viragem do passado, que merece ser enaltecida, pela exemplaridade de os três poderem competir, doravante, sem dramas de maior para o conjunto do país, que libertaram de armas na mão.
Esta recordação trilógica não passa de mera referência temporal, longe da sua perenidade no presente, que seria, aliás, negar uma realidade hodierna como o despontar consistente de uma força política como o PRS.
Em síntese das teses que se afrontaram no pleito, a continuidade venceu a mudança.
Porquê, em concreto?
Um diagnóstico profundo, radical e sereno impõe-se a todas as forças, incluindo a laureada, como prioridade, até face ao calendário político do horizonte imediato, balizado. Isto é, as perspectivas das eleições presidenciais apontadas para 2009 e, depois, as primeiras autárquicas ansiadas para o mais breve possível.
Em horas de euforia, o vencedor padece facilmente do autismo, planeando no ar qual anjinho que se pensa impoluto de pecados mesmo reais. Oxalá, o MPLA mantenha a lucidez e exorcize o ditado segundo o qual, no exuberante caldo da poeira, das festas nas nossas aldeias, amiúde se rasga a pele tensa que serve de tampa acústica ao cilindro do batuque.
Seria de mau agoiro, para a propalada guinada para a normalidade, por exemplo, não responsabilizar os autores das falhas organizativas verificadas pelos observadores e vividas por milhares de eleitores, nem corrigir os dados mais deficitários em termos de credibilidade democrática. Essas falhas legitimaram, aliás, a reserva dos observadores de peso em qualificar de “livres, justas e transparentes” as eleições que acabam de decorrer, frustrando a expectativa daqueles que se empenharam nessa tarefa com sinceridade e abnegação.
Para os infortunados na classificação, tem sido frequente, neste ambiente cinzento, a tentação de desviar as atenções para os factores exógenos. Esta propensão conduz, via de regra, à impossibilidade, à incapacidade de corrigir o tiro, à gangrena da incúria.
Importará, sim, voltar-se mais para os elementos endógenos, sem prejuízo, é claro, do impacto dos condicionalismos externos. Mas, ensina a ciência de Hipócrates, a medicina, que não há patologia que paralise um membro qualquer sem encontrar, no mesmo, o ambiente propício para se instalar e a infecção progredir à vontade.
Alegra, o vento que traz, qual andorinha de outra estação, a notícia do projecto de demissão do presidente do PRD, em virtude do desaire eleitoral desta formação, após 16 anos de liderança.
Para além da listagem que a urna ditou, os desafios da Nação elevam-se imponentes diante de todos.
Tais desafios levam a pensar, sobremaneira, na continuação dos sinais de crescimento rumo ao desenvolvimento, tendo em conta o indicador do trunfo decisivo do partido vencedor, cujo projecto, em teoria, parece desgastado.
Há, também, a democracia a aprofundar, aduzindo-se da presença da Oposição estruturalmente mantida, pese embora o naufrágio do “Titanic” que representou a queda do líder, a UNITA, e o recuo espantoso dos demais opositores, em geral.
O recuo geral, excepto o PRS, traduziu a incapacidade de mesmo as terceiras forças recuperarem os danos dos cabecilhas. David malogrou surpreender Golias. O quadro político resultante das urnas torna-se, sem dúvidas, um bicudo desafio à consolidação da democracia.
Enfim, o discurso da estabilidade, o partido achado melhor da paz ganhou uma batalha.
Em democracia, entretanto, e à medida que esta se enraíza, felizmente, há batalha e há luta. Esta não finda com aquela. Pelo contrário, aquela, aos bons jogadores, fecunda o melhor saber e a arte de saber fazer melhor.
E, é na interacção contínua entre poder e oposição, ambos, ora frescamente sufragados e desenhados pelo voto, que está a peça mestra da dinâmica de progresso do país.
É o que a Mensagem Pastoral do Lubango, inspirada por santa meditação Paulina, alvitrou.
Citámo-la, para finalizar:
«Governo e oposição têm uma missão comum: construir uma sociedade baseada nos princípios fundamentais da justiça, da liberdade e da igualdade.»
Pelo saldo positivo do processo em conjunto até aqui, sobra o louvor ao amor divino que tem acompanhado o país. Pois, como reza o salmo com o qual a mesma mensagem rematou o seu texto, “se não for o Senhor a edificar a casa, em vão trabalham os construtores”.
Bem haja Angola! ( SC)
Um comentário:
Grande texto. Não pela extensão, mas pelo conteúdo.
Um abraço e p'ra frente é o caminho. Viva o Jornalismo digital "nascente".
Nós complementamos a imprensa. Podes crer.
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